Nas últimas duas décadas as tendências globais mais mediáticas têm apresentado catastróficas visões do desaparecimento do papel em detrimento do digital. Mas então porque é que consultoras, como a Deloitte, nos últimos 13 anos, falam da expansão da produção de pasta de papel a nível mundial devido às exigências de consumo?

Mas continuemos numa visão negativa e apocalítica, onde olhamos para os valores da nossa imprensa clássica e suas vendas em banca, que a cada dia baixa no mínimo dois dígitos. Como é que se irá sobreviver sem imprensa? Na realidade, o declínio da imprensa escrita não significa nada, nem tem real impacto no que ao mercado gráfico diz respeito. Vejamos o que se passa, e porque é que o Papel não está moribundo e tem ainda muito para dar!

Comecemos pelo mito do impacto ambiental que sempre se debateu a indústria papeleira e a indústria gráfica. A adoção de novas tecnologias mais amigas do ambiente e que promovem maiores rácios de aproveitamento e produtividade, permitem a que estas duas indústrias possam estar fora das listas negras dos setores mais poluentes. Além disso, está provado em diversos estudos da própria União Europeia que a indústria produção e transformação de papel, é um dos setores mais ecológicos, permitindo também trabalhar e desenvolver a floresta na sua gestão e continuidade ordenada, sendo ecologicamente auto-sustentável.

Mas o digital está a acabar com o papel, isso não pode ser negado!

Sim é verdade, mas que tipologia de aplicação gráfica é que o digital está a destruir o papel? Vejamos de forma simples, a publicidade clássica, a impressão livreira massiva e a imprensa. Horror, como sobreviver a tamanha desgraçada! Dirão uns, eu cá digo ainda bem que isto está a acontecer.

Ao analisarmos de forma semântica, estatística estas áreas referidas rapidamente compreendemos que o que está mal não é o consumidor, mas sim os produtores de conteúdos, e que é aí que reside o ponto de sobrevivência do papel. Segundo a Euler Hermes o digital tem atacado de forma muito forte estes setores, porém demostra no mesmo estudo que o setor de transformação e gráficas tem outras áreas de enorme potencial de crescimento, tal como a de packaging, retalho e, imagine-se, e-commerce.

Na parte semântica comecemos pelo que têm sidos duas tendências muito claras e simples não só na imprensa escrita, como em todo o setor da comunicação. A “mesmização/standardização” de conteúdos tem levado a que o consumidor tenha cada vez menos interesse em aceder a meios generalistas. Além disso, com a capacidade de obter informação à distância de um clique, os consumidores querem cada vez mais informação que seja de relevo, distinta e especializada, daí as tendências de reforço dos produtos mediáticos de investigação e de conteúdos mais longos e explicativos e da estabilização ou mesmo reforço das vendas de meios especializados, ao invés do que sucede com os generalistas. Exemplo prático e claro é o aparecimento de jornais como o Jornal Dia 15, a impressão do número mensal do jornal Observador, ou da passagem a impressão semanal do jornal Diário de Notícias, com um tratamento diferente da informação noticiosa e com agregação de revistas especializadas com conteúdos de relevo.

Há que reparar que não apresento casos práticos, nem exemplos estrangeiros, pois isto já é uma forte realidade no mercado português, ao qual não podemos ignorar ou menosprezar. O problema da imprensa escrita é complexo, mas não se deve à indústria gráfica! Como em muitos outros sectores a nossa indústria gráfica tem vindo a efetuar um trabalho de monta na sua adaptação e posicionamento para potenciar todo o esforço e capacidade de oferta no mercado português e internacional.

Então vamos voltar a viver o tempo das vacas gordas?

Mais importante que uma vaca engordar, é que ela seja saudável e dê bom leite! O que quero dizer com isto, quero dizer que nem tudo são rosas ou que com a especialização e criação de soluções, ofertas premium tudo se resolverá, porque o mercado é pequeno e será importante saber diversificar e gerir os custos do preço do papel. Quando olhamos à nossa volta, para os trabalhos offset clássicos, cada vez mais existe uma concorrência extremamente forte e especializada que é totalmente digital. As soluções de impressão digital estão a atingir níveis de qualidade impensáveis à um bom par de naos atrás. Não só essa qualidade está a aumentar, como a sua capacidade de diversificação de trabalho e capacidade de resposta a volumes reduzidos de trabalho são maiores, criando uma concorrência feroz e de difícil combate.

Já não são assim tantas as organizações que fazem aquisições de monta a nível de estacionário, pois não faz sentido ter stock de estacionário, quando se pode ir mandando fazer à medida das necessidades a preços altamente competitivos. Não é preciso fazer aquisições de marketing no início do ano, com quantidades às vezes fora da realidade, quando se tem de alterar e personalizar caso a caso cada evento, ação de marketing e seus materiais. É aqui que a tecnologia e o digital estão a ganhar ao papel, mas a nível de processo.

Integração é fundamental

A complexidade da oferta gráfica e das necessidades do próprio mercado levam a que os gestores de parte a parte (cliente e gráficas) tenham de olhar para além da sua área de atuação e ver todos os canais de comunicação ao dispor das organizações e como os consumidores interagem. Os consumidores interagem de forma integrada e dispersa, ou seja o consumidor procura informação em revistas, jornais, blogues, fóruns, conversas com amigos, idas às lojas e precisa de ter uma sensação que as marcas falam a mesma língua em todo o tempo. É aqui que é importante perceber que o digital e o papel conseguem co-habitar de forma integrada e como extensão um do outro.

 

Artigo oirginal publicado na Revista Intergráficas, em dezembro de 2018: http://intergraficas.com.pt/?p=2554